A Revolução dos 26 Minutos: Como a IA Está Remodelando a Eficiência do Serviço Público no Reino Unido

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A inteligência artificial (IA) deixou de ser uma promessa futurista para se tornar uma ferramenta tangível de transformação no setor público do Reino Unido. Um marco dessa evolução é a economia de tempo substancial – uma média de 26 minutos diários por funcionário público – alcançada através da implementação do Microsoft Copilot. Este ganho, que equivale a quase duas semanas de trabalho ao longo de um ano para cada indivíduo, não é apenas uma estatística, mas um indicativo poderoso do potencial da IA para otimizar operações governamentais e liberar recursos humanos para tarefas de maior valor estratégico. Esta economia de tempo foi consistentemente observada num extenso ensaio envolvendo 20.000 funcionários públicos, sublinhando a robustez da descoberta.  

Esta iniciativa insere-se numa agenda mais ampla de transformação digital do governo britânico, que visa alavancar a IA para ganhos de produtividade significativos, com uma meta ambiciosa de economizar £45 mil milhões anualmente em todo o setor público. O Copilot emerge, assim, como uma peça fundamental nesta estratégia, capacitando os funcionários públicos a “trabalhar de forma mais inteligente, reduzir a burocracia e fazer um uso mais eficiente do dinheiro dos contribuintes”, conforme destacado pelo Secretário de Tecnologia, Peter Kyle. A cifra de 26 minutos, portanto, transcende a mera contagem de tempo; ela simboliza o impacto imediato e palpável da IA nas rotinas de trabalho diárias, potencialmente mudando a narrativa em torno da IA de um conceito abstrato para uma utilidade presente e comprovada no setor público. A consistência deste achado em múltiplos relatórios confere-lhe forte credibilidade, e a sua tradução para “quase duas semanas por ano” torna o benefício altamente relacionável. Este benefício quantificável e imediato pode funcionar como um catalisador para uma adoção mais ampla da IA, superando o ceticismo frequentemente associado à implementação de novas tecnologias em grandes organizações. Além disso, a forma como o governo enquadra estas economias de tempo liga-as diretamente a objetivos económicos mais vastos, indicando que a adoção da IA não é apenas uma melhoria operacional, mas uma alavanca estratégica para a economia do país.  

Desvendando o Experimento Copilot no Reino Unido: Um Mergulho Profundo nos Dados

O ambicioso experimento intergovernamental com o Microsoft 365 Copilot, conduzido pelo Government Digital Service (GDS) e pelo Department for Science, Innovation and Technology (DSIT) entre setembro e dezembro de 2024, representa um dos maiores testes de IA no setor público até à data. Envolveu 20.000 funcionários públicos de 12 grandes organizações governamentais, incluindo o Department for Work and Pensions (DWP), HM Revenue and Customs (HMRC), Home Office, Ministry of Justice (MoJ), Department for Energy Security and Net Zero (DESNZ) e o próprio DSIT. O objetivo principal era avaliar se as ferramentas de IA poderiam melhorar a qualidade das tarefas, reduzir o tempo gasto em atividades rotineiras, aumentar a satisfação do utilizador e diminuir o esforço necessário para completar tarefas.  

Os resultados quantitativos são reveladores. A economia média de tempo de 26 minutos por dia por utilizador é o dado mais proeminente. No entanto, a distribuição dessa economia variou consideravelmente: 17% dos participantes não reportaram qualquer economia de tempo, 18% economizaram até 10 minutos, 23% economizaram mais de 30 minutos e, notavelmente, um em cada sete utilizadores (aproximadamente 14%) relatou ter economizado pelo menos uma hora por dia. Esta variação sugere que a eficácia do Copilot é altamente dependente das funções individuais, das tarefas executadas, da literacia digital e da disposição para adaptar os métodos de trabalho. Os 17% que não reportaram economias de tempo representam um ponto de dados crucial que merece investigação adicional sobre as barreiras à adoção ou à utilidade para certos grupos de utilizadores ou tipos de tarefas. De facto, o relatório do GDS/DSIT observa que “as profissões com as pontuações de satisfação mais baixas foram também aquelas que economizaram menos tempo” e que “as equipas focadas em políticas tiveram dificuldades com nuances e quando as fontes de dados continham múltiplas opiniões contrastantes”. Isto estabelece uma ligação direta entre satisfação, economia de tempo e adequação da ferramenta à tarefa, implicando que uma abordagem de implementação única pode não ser ótima; formação direcionada, identificação de casos de uso e, potencialmente, diferentes ferramentas de IA para diferentes necessidades podem ser necessárias.  

Em termos de satisfação e adoção, os números também são expressivos. A pontuação média de satisfação geral do utilizador foi de 7.7 em 10. Impressionantes 82% dos utilizadores afirmaram que não gostariam de voltar a trabalhar sem o Copilot, um testemunho poderoso de uma melhoria percebida na vida profissional que provavelmente vai além da simples economia de tempo. Esta elevada percentagem indica uma mudança positiva significativa na experiência do utilizador, alinhando-se com o feedback qualitativo sobre a redução de tarefas monótonas e o foco em atividades estratégicas. Esta “aderência” é um forte indicador de que as ferramentas de IA se estão a incorporar nos fluxos de trabalho assim que os utilizadores experienciam os benefícios, o que tem implicações profundas para a futura adoção de tecnologia e gestão da mudança.  

Adicionalmente, 85% concordaram que o Copilot proporcionou bom valor à organização, e 63% sentiram que o acesso à ferramenta influenciou a sua satisfação com o empregador. A taxa de adoção manteve-se em torno dos 80% durante todo o experimento. A maior adoção ocorreu no Microsoft Teams, atingindo um pico de 71%, seguido pelo Word, Outlook e Copilot Chat, todos com cerca de 50% de adoção. A utilização foi consideravelmente menor no PowerPoint (23%) e no Excel (24%). A elevada taxa de adoção no Teams (71%) e a adoção relativamente menor no Excel (24%) indicam que os pontos fortes atuais do Copilot são percebidos como estando mais na comunicação, colaboração e geração/sumarização baseada em texto, em vez de manipulação complexa de dados ou tarefas de software especializado. O Teams é um hub de comunicação, onde resumir reuniões e redigir mensagens são tarefas comuns assistidas por IA. O Excel, por outro lado, envolve frequentemente fórmulas complexas, modelação de dados e análises detalhadas, com as quais a IA generativa atual (como o Copilot na sua fase de teste) pode ter dificuldades, ou os utilizadores podem sentir-se menos confiantes em delegar. O Buckinghamshire Council também observou que o Copilot “atualmente tem dificuldades com dados quantitativos e não está totalmente integrado com o Microsoft Excel”. Isto sugere uma oportunidade para a Microsoft melhorar as capacidades do Copilot em aplicações com uso intensivo de dados ou para o governo fornecer formação mais especializada para estas ferramentas.  

Os benefícios mais comuns destacados pelos utilizadores foram o aumento da produtividade e a redução do tempo gasto na procura de informação.  

Tabela 1: Experimento Copilot no Setor Público do Reino Unido – Principais Resultados

MétricaDado
Economia Média Diária de Tempo por Utilizador26 minutos
Equivalente Anual de Tempo EconomizadoQuase 2 semanas
Pontuação Média de Satisfação do Utilizador (0-10)7.7
% de Utilizadores que Não Quereriam Reverter82%
Taxa de Adoção Geral~80%
Pico de Adoção no Teams71%
Pico de Adoção no Word/Outlook~50%
Pico de Adoção no PowerPoint/Excel23% / 24%
% de Utilizadores Sem Economia de Tempo Reportada17%
% de Utilizadores com >30 Minutos Economizados23%
% de Utilizadores com >1 Hora Economizada14% (1 em 7)
% que Acredita que o Copilot Agregou Valor85%

Mais do que Minutos: O Impacto Qualitativo Profundo do Copilot

Para além da contagem de minutos economizados, o Microsoft Copilot demonstrou um impacto qualitativo profundo no setor público do Reino Unido. Os utilizadores não só ganharam tempo, mas também observaram melhorias na qualidade do seu trabalho, um aumento da inclusividade e acessibilidade, e uma mudança bem-vinda em direção a tarefas mais estratégicas e gratificantes. A capacidade do Copilot para ajudar na elaboração de documentos, resumir longos emails, atualizar registos e preparar relatórios foi consistentemente destacada. Especificamente, a criação de conteúdo viu economias de tempo notáveis, com uma média de 24 minutos poupados na elaboração de documentos e 19 minutos na criação de apresentações.  

Um dos benefícios mais significativos e socialmente relevantes foi o impacto positivo na inclusividade e acessibilidade. O Copilot demonstrou ser uma ferramenta poderosa para auxiliar indivíduos com deficiência, uma observação consistente desde os programas de acesso antecipado e outros ensaios. O Somerset Council, por exemplo, descobriu que 88% dos seus utilizadores neurodiversos experienciaram ganhos de produtividade, especialmente durante reuniões e na criação de documentos. De forma semelhante, o Buckinghamshire Council relatou um benefício inesperado para um colega surdo, cujas capacidades avançadas de transcrição transformaram o seu trabalho diário. Estes exemplos concretos sublinham como ferramentas de IA como o Copilot podem ser poderosos facilitadores para uma força de trabalho mais inclusiva, potencialmente nivelando o campo de jogo e desbloqueando talento não explorado nos serviços públicos. Este aspeto vai além da simples produtividade; toca no bem-estar dos funcionários, na equidade e na capacidade dos serviços públicos de refletir e servir melhor uma sociedade diversificada, podendo tornar-se um argumento chave para a adoção da IA para além da pura eficiência.  

A capacidade de se concentrar em tarefas estratégicas e reduzir o trabalho repetitivo foi outro tema proeminente. Mais de 70% dos utilizadores concordaram que o Copilot reduziu o tempo gasto em tarefas monótonas e aumentou o tempo disponível para atividades estratégicas. Isto liberta recursos humanos para tarefas de alto valor que exigem pensamento crítico, desenvolvimento de políticas e envolvimento com os cidadãos. O Somerset Council também reportou que 75% dos utilizadores sentiram uma melhoria no foco e 53% consideraram o seu trabalho mais agradável com o auxílio do Copilot. Este aumento no prazer e foco no trabalho indica que a proposta de valor do Copilot se estende ao moral e envolvimento dos funcionários, cruciais para a retenção e eficácia geral do setor público. A redução da “dívida digital” e das “tarefas administrativas desnecessárias” aborda diretamente fatores de stress conhecidos para os trabalhadores do setor público. Se a IA pode tornar o trabalho mais agradável e permitir que os funcionários se concentrem em aspetos mais significativos das suas funções, poderá combater o burnout e melhorar a atratividade das carreiras no setor público. Este benefício qualitativo, embora mais difícil de medir do que a economia de tempo, poderá ter implicações financeiras positivas significativas a longo prazo através da redução da rotatividade de pessoal e do aumento da inovação.  

Exemplos do mundo real ilustram vividamente estes benefícios. No Department for Work and Pensions (DWP), um orientador profissional utilizou o Copilot para ajudar uma cliente trabalhadora por conta própria a revitalizar o seu pequeno negócio, criando publicações personalizadas para redes sociais e identificando oportunidades de redução de custos, o que resultou em sete novas marcações de clientes numa semana. Na Companies House, os funcionários usam o Copilot para lidar com questões rotineiras de clientes e acelerar tarefas como a elaboração de respostas e a atualização de registos.  

As administrações locais também colheram frutos. O Somerset Council, num ensaio com 300 licenças, viu os utilizadores economizarem entre 2 a 4 horas por semana. A elaboração de atas de reunião e planos de ação foi reduzida de 72 minutos para apenas 17 minutos (uma economia de 55 minutos). Com um custo mensal de £25 por licença Copilot, o conselho alcançou um retorno sobre o investimento (ROI) de 4 a 10 vezes. O rápido ROI visto pelo Somerset Council, mesmo com formação inicial mínima para casos de uso simples (gravação de reuniões/notas), demonstra uma baixa barreira de entrada para alcançar benefícios tangíveis. O facto de isto ter sido alcançado com “usos simples… sem formação formal” sugere que ganhos rápidos são possíveis, o que pode aumentar a confiança da liderança sénior para mais investimentos e integrações de IA mais complexas, como observado pelo próprio Somerset Council. O Barnsley Council expandiu o seu piloto de 300 para 2.000 licenças e implementou uma rede de “campeões” denominada “Copilot Flight Crew” para fomentar a partilha de conhecimento. O Buckinghamshire Council reportou economias de tempo de 10-20% em tarefas como transcrição de reuniões e redação de emails. Os assistentes executivos economizaram entre 60 a 90 minutos diários, e os agentes de atendimento ao cliente pouparam 2 minutos por chamada (uma redução de 33%). No País de Gales, o Torfaen County Borough Council está a usar o Copilot para responder à crescente procura de serviços mesmo com orçamentos reduzidos.  

Tabela 2: Economia de Tempo com o Copilot por Profissão no Serviço Público do Reino Unido

ProfissãoEconomia Média Diária de Tempo (minutos)
Gestão de Projetos (Project Delivery)35
Comercial (Commercial)32
Prestação Operacional (Operational Delivery)31
Digital e Dados (Digital and Data)31
Comunicações (Communications)31
Gestão do Conhecimento e Informação31
Recursos Humanos (Human Resources)29
Política (Policy)29
Finanças e Análise (Finance and Analysis)25
Imobiliário (Property)22
Ciência e Engenharia (Science and Engineering)21
Jurídico (Legal)19
Fiscal (Tax)11

Navegando na Jornada de Implementação da IA: Desafios, Ética e Governança na Linha da Frente

A implementação do Microsoft Copilot no setor público do Reino Unido, apesar dos seus sucessos notáveis, não esteve isenta de desafios. A jornada revelou a importância crítica de abordar a curva de aprendizagem, as preocupações com a precisão, e, fundamentalmente, as questões de segurança de dados, privacidade e uma governança de IA robusta.

Muitos utilizadores mencionaram a curva de aprendizagem envolvida no uso eficaz do Copilot. O feedback indicou a necessidade de aprender a formular “prompts” (instruções) de forma eficaz e a alterar os padrões de utilização para extrair o máximo valor da ferramenta. A formação foi considerada essencial para alcançar os benefícios. Este desafio de aprender a interagir com a IA não é apenas uma questão de formação técnica, mas representa uma nova forma de literacia. A qualidade do resultado da IA está diretamente ligada à qualidade da entrada humana, o que significa que a “engenharia de prompts” se torna uma competência valiosa em toda a força de trabalho. Isto sugere que a formação futura deve ir além da operação básica de software e focar-se no pensamento crítico, na decomposição de problemas e na comunicação eficaz com sistemas de IA, podendo até levar a novas funções ou especializações no serviço público.  

A fiabilidade e precisão da informação gerada pela IA foram outras preocupações levantadas. Alguns utilizadores expressaram receios sobre o potencial do Copilot para gerar informação incorreta. O Buckinghamshire Council, por exemplo, descobriu inicialmente que o Copilot “alucinava” (fabricava) informação sobre pacientes na área de assistência social a adultos, o que exigiu colaboração com a Microsoft para desenvolver prompts específicos que mitigassem este problema. O Somerset Council também observou que o monitoramento do uso era um desafio devido a painéis imprecisos da Microsoft, exigindo soluções alternativas. A inconsistência, onde a mesma pergunta podia gerar respostas diferentes, também foi notada, e a supervisão humana foi considerada necessária em todos os momentos. A questão da “alucinação” encontrada pelo Buckinghamshire Council com dados de pacientes e a nota do próprio Information Commissioner’s Office (ICO) sobre a “garantia limitada” relativamente à precisão dos dados do M365 sublinham uma vulnerabilidade crítica: a fiabilidade da IA com informação sensível ou matizada. Isto exige uma supervisão humana robusta e validação contínua, especialmente em domínios de alto risco do setor público. Embora a IA possa assistir, o “humano no circuito” permanece indispensável para verificação, especialmente ao lidar com dados de cidadãos e serviços críticos, e destaca a necessidade de protocolos claros sobre quando e como a informação gerada por IA pode ser utilizada.  

As preocupações com a segurança e o tratamento de dados sensíveis levaram a benefícios reduzidos numa minoria de casos no ensaio principal. A Microsoft afirma que o Copilot para M365 processa dados dentro dos limites do serviço M365 existente, utilizando apenas dados aos quais o utilizador já tem acesso, e enfatiza a anonimização, agregação, encriptação e controlos de acesso. O Microsoft Security Copilot é apresentado como uma ferramenta para ajudar a manter uma abordagem segura e em conformidade. No entanto, a Avaliação de Impacto sobre a Proteção de Dados (DPIA) do ICO para o seu próprio uso do Copilot nota que os prompts e respostas dos utilizadores são armazenados (dados de auditoria por 90 dias, prompts por 7 dias) e, crucialmente, afirma que “existe garantia limitada fornecida na DPIA sobre a precisão dos dados em todo o M365… é necessária mais evidência para apoiar esta posição”. O governo do Reino Unido está comprometido com o uso seguro e responsável da IA, como evidenciado pelo AI Playbook e pelo Código de Prática para a Cibersegurança da IA, que aborda riscos específicos como o envenenamento de dados e a injeção de prompts. O “Mitigating Hidden AI Risks Toolkit” aconselha uma abordagem multidisciplinar à gestão de riscos.  

A governança ética da IA na prática tem sido uma prioridade para os conselhos locais. O Somerset Council desenvolveu DPIAs, orientações éticas e políticas de uso aceitável, com uma estrutura de governança iterativa informada pelos voluntários do piloto. O Barnsley Council implementou uma estrutura abrangente que inclui um conselho de ética (com profissionais de assistência social, habitação e técnicos), governação de informação melhorada (verificação humana de conteúdo gerado por IA) e protocolos específicos para áreas de alto risco como a assistência social infantil. O Buckinghamshire Council possui um conselho de governança de IA que gere os riscos através de um registo dedicado, incorporando os princípios de IA responsável da Microsoft e enfatizando a responsabilização humana pelas decisões finais. As estruturas de governança de IA proativas e detalhadas estabelecidas por estes conselhos locais durante as fases piloto demonstram uma compreensão sofisticada dos riscos da IA. Esta iniciativa a nível local é crucial porque as diretrizes centralizadas (como o AI Playbook) necessitam de uma implementação prática e específica ao contexto. Estes conselhos não esperaram por um incidente grave; anteciparam problemas em torno da proteção de dados, ética e uso aceitável. A criação de conselhos de ética envolvendo profissionais de diversas áreas garante que a governança não seja apenas uma política de TI de cima para baixo, mas seja informada por necessidades operacionais do mundo real e dilemas éticos. Esta abordagem de baixo para cima à governança, complementando os quadros nacionais, é vital para construir a confiança pública e garantir a adoção responsável da IA em diversos serviços públicos.  

Embora não especificamente sobre o Copilot nestes excertos, a decisão da Google de expandir a residência de dados no Reino Unido para as suas ferramentas de IA destaca a crescente importância da soberania dos dados para as empresas britânicas e, potencialmente, para o setor público, uma consideração para todas as ferramentas de IA de terceiros.  

O Fator Humano: IA, Competências e a Evolução da Força de Trabalho do Setor Público

A introdução de ferramentas de IA como o Microsoft Copilot no setor público do Reino Unido está a catalisar uma profunda reflexão sobre o futuro do trabalho e as competências necessárias para uma força de trabalho aumentada pela tecnologia. A narrativa predominante não é de substituição, mas de aumento das capacidades humanas, onde a IA assume tarefas rotineiras, libertando os funcionários para se concentrarem em atividades mais estratégicas, criativas e interpessoais. De facto, 70% dos profissionais inquiridos pela Microsoft delegariam o máximo de trabalho possível à IA, apesar de 49% se preocuparem com a substituição de empregos. O objetivo é frequentemente “melhorar, e não substituir, a tomada de decisão humana”.  

O impacto da IA nos empregos é complexo. Prevê-se que a IA desloque alguns postos de trabalho, especialmente aqueles que envolvem tarefas cognitivas rotineiras, mas também crie novas funções. O Tony Blair Institute (TBI) estima que entre um e três milhões de empregos no Reino Unido poderão ser deslocados até 2050, mas projeta que o impacto máximo no desemprego será na ordem das “baixas centenas de milhares”. A PwC prevê que cerca de 7% dos empregos existentes no Reino Unido enfrentem um alto risco de automação nos próximos cinco anos, subindo para pouco menos de 30% após 20 anos, mas este efeito será equilibrado pela criação de novos empregos. Notavelmente, os empregos relacionados com a IA estão a crescer 3.6 vezes mais rapidamente no Reino Unido, e os profissionais com competências em IA ganham, em média, cerca de 21% mais.  

Reconhecendo esta transformação, o governo do Reino Unido está a implementar uma estratégia multifacetada para capacitar os seus funcionários públicos. A recém-criada AI Adoption Unit, operando sob a égide do GDS e do DSIT, tem o mandato de construir e implementar IA nos serviços públicos, aumentar a capacidade e competência em IA em todo o governo e garantir a confiança e responsabilidade. Esta unidade é uma peça central do “AI Opportunities Action Plan”. O “AI Playbook for UK Government” serve como um recurso fundamental, oferecendo orientação sobre o uso seguro, eficaz e responsável da IA, incluindo 10 princípios orientadores.  

As iniciativas de formação são extensas. Cursos de e-learning gratuitos sobre IA estão disponíveis através do Civil Service Learning, cobrindo mais de 70 módulos que vão desde os Fundamentos da IA e Ética até ferramentas de IA Generativa e Grandes Modelos de Linguagem (LLMs). Formação adicional é oferecida através do Government Campus. A série “AI Insights” aprofunda tópicos técnicos, e uma comunidade de prática de IA intergovernamental promove a partilha de conhecimento. Adicionalmente, o Primeiro-Ministro Keir Starmer propôs a criação de 2.000 aprendizes de tecnologia “TechTrack” até 2030 e estabeleceu a meta de que 1 em cada 10 funcionários públicos ocupe funções digitais até essa data. A estratégia dupla do governo de promover a eficiência impulsionada pela IA (que pode levar à redução da força de trabalho em algumas áreas, conforme admitido por Peter Kyle ) juntamente com um investimento significativo na qualificação em IA cria uma corrida crítica contra o tempo. O sucesso desta transição depende da eficácia e velocidade com que os programas de requalificação acompanham o ritmo das mudanças nas funções de trabalho induzidas pela IA. Se a requalificação ficar para trás, existe o risco de um défice de competências, impactando a prestação de serviços e o moral dos funcionários. Se for bem-sucedida, poderá criar um setor público mais ágil e tecnologicamente capacitado, destacando a necessidade de programas de formação adaptáveis e percursos de carreira claros para o pessoal existente.  

A National AI Strategy do Reino Unido visa tornar a IA central para o desenvolvimento do país, aumentando a resiliência, produtividade e inovação nos setores público e privado, e apoiando o desenvolvimento de competências em IA, ciência de dados e digitais. A reorganização que fundiu o Central Digital and Data Office (CDDO), o Incubator for Artificial Intelligence (i.AI) e o GDS existente num novo GDS sob a liderança do DSIT visa fortalecer a liderança digital e de IA. A criação de organismos centralizados como a AI Adoption Unit e o GDS renovado significa um movimento em direção a uma implementação de IA mais coordenada e estratégica, com o objetivo de evitar abordagens fragmentadas e isoladas entre os diferentes departamentos governamentais. Esta abordagem centralizada pode ajudar a garantir consistência na governança da IA, aquisições e desenvolvimento de competências, maximizando o ROI e minimizando os riscos em todo o setor público.  

A ênfase na “colaboração entre humanos e IA” (AI Human Teaming) e na IA que aumenta as capacidades humanas sugere um futuro onde o valor dos funcionários públicos se desloca para tarefas que a IA não consegue replicar facilmente: resolução de problemas complexos, empatia, julgamento ético e supervisão estratégica. Os documentos enquadram consistentemente a IA como uma ferramenta para libertar os humanos para “tarefas de maior valor”. O AI Playbook e outras orientações enfatizam a supervisão humana e os princípios de IA responsável. Isto implica uma redefinição de muitas funções do setor público, exigindo não apenas competências técnicas para usar a IA, mas também “soft skills” melhoradas e pensamento crítico para gerir e interpretar eficazmente os resultados da IA.  

Tabela 3: Principais Iniciativas e Recursos de IA do Governo do Reino Unido para o Setor Público

Iniciativa/RecursoFoco/Objetivo Principal
Experimento Microsoft 365 CopilotAvaliar ganhos de produtividade e satisfação com assistente de IA comercial em 20.000 funcionários públicos.
Suite de IA “Humphrey”Ferramentas de IA desenvolvidas internamente (Consult, Parlex, Minute, Redbox, Lex) para tarefas governamentais específicas.
AI Adoption Unit (GDS/DSIT)Construir e implementar IA nos serviços públicos, aumentar capacidade e competência em IA, garantir confiança.
AI Playbook for UK GovernmentGuia para uso seguro, eficaz e responsável da IA no setor público; 10 princípios.
Cursos de IA do Civil Service LearningMais de 70 módulos de e-learning sobre IA para funcionários públicos.
Programa de Aprendizagem “TechTrack”Formar 2.000 aprendizes de tecnologia para o setor público até 2030.
Pesquisa de IA no Setor Público do Alan Turing Inst.Mapear o potencial da IA generativa nas atividades do setor público (41% das tarefas).
National Data StrategyAproveitar o poder dos dados responsáveis para impulsionar a inovação e os serviços públicos.
National AI StrategyTornar a IA central para o desenvolvimento do Reino Unido, impulsionando crescimento e inovação.

Para Além do Copilot: O Ecossistema e a Estratégia Mais Amplos de IA do Setor Público do Reino Unido

O bem-sucedido experimento com o Microsoft Copilot é uma peça importante, mas não isolada, da ambiciosa incursão do Reino Unido na inteligência artificial no setor público. O governo está a cultivar um ecossistema de IA mais amplo, que inclui o desenvolvimento de ferramentas de IA internas, o fomento da investigação através de instituições de renome e a implementação de estratégias de dados fundamentais.

Paralelamente à adoção de soluções comerciais como o Copilot, o Reino Unido está a investir ativamente no desenvolvimento de suas próprias ferramentas de IA, agrupadas sob a designação “Humphrey”. Esta suite, desenvolvida pelo DSIT e pelo i.AI, visa acelerar e simplificar o trabalho dos funcionários públicos com soluções à medida. Inclui ferramentas como ‘Consult’, que analisa respostas a consultas públicas (num teste com o governo escocês, demonstrou resultados quase idênticos aos revisores humanos, com potencial para economizar 75.000 dias de análise manual anualmente, ou £20 milhões) ; ‘Parlex’, para analisar debates parlamentares ; ‘Minute’, para transcrições e resumos de reuniões (atualmente em teste por 25 conselhos) ; ‘Redbox’, para resumir políticas e preparar briefings; e ‘Lex’, para resumir legislação complexa. O desenvolvimento e implementação paralelos de IA comercial (Copilot) e IA desenvolvida pelo governo (suite Humphrey) indicam uma estratégia de IA híbrida e sofisticada. Esta abordagem permite ao governo implementar rapidamente IA de propósito geral para ganhos amplos de produtividade, enquanto investe em soluções personalizadas para tarefas únicas, sensíveis ou de alto impacto do setor público, onde as ferramentas comerciais podem ser inadequadas ou insuficientes. O Copilot foca-se em tarefas comuns de escritório integradas com o Microsoft 365 , enquanto as ferramentas Humphrey abordam necessidades governamentais muito específicas. Este modelo híbrido equilibra a velocidade de adoção (através de ferramentas comerciais) com a necessidade de IA personalizada, segura e potencialmente mais explicável para funções governamentais centrais, ao mesmo tempo que desenvolve competências internas em IA.  

A investigação desempenha um papel crucial. O Alan Turing Institute, o instituto nacional do Reino Unido para ciência de dados e inteligência artificial, concluiu que a IA poderia apoiar até 41% das tarefas em todo o setor público. Esta percentagem varia significativamente por setor, com 49% na Educação e 33% na Saúde, e é mais elevada para trabalhadores não da linha da frente (47%) em comparação com os da linha da frente (38%). O instituto estima que os professores poderiam economizar 75% dos seus 100 minutos diários dedicados ao planeamento de aulas, e a IA poderia reduzir em mais de 70% os 30 minutos que os funcionários públicos gastam diariamente em emails. A descoberta do Alan Turing Institute de que a IA poderia apoiar 41% das tarefas do setor público fornece um ponto de referência quantitativo para a escala potencial da integração da IA. No entanto, a variação entre setores e tipos de trabalhadores realça que a adoção da IA não será uniforme e requer estratégias específicas para cada setor. A figura de 41% oferece uma visão macro da aplicabilidade da IA. Os dados específicos por setor implicam que áreas como a educação (com elevada carga administrativa no planeamento de aulas ) poderão ver uma adoção de IA mais rápida ou mais extensa para certas tarefas em comparação com a saúde, onde a interação humana e diagnósticos complexos são mais centrais, e a sensibilidade dos dados é primordial. Isto sugere que, embora ferramentas como o Copilot possam oferecer benefícios amplos, serão necessárias aplicações de IA especializadas e uma consideração cuidadosa dos modelos de interação humano-IA para diferentes serviços públicos.  

Fundamental para o sucesso de qualquer iniciativa de IA é a estratégia de dados. A National Data Strategy do Reino Unido visa aproveitar o poder dos dados responsáveis. No entanto, a má qualidade dos dados e a tecnologia legada desatualizada são identificadas como riscos significativos para a adoção da IA. O “A blueprint for digital government” visa abordar estas barreiras à partilha de dados e à tecnologia legada. Existe mesmo uma proposta para uma “National Data Library” para desbloquear o valor dos dados do setor público, permitindo o acesso seguro e escalável a conjuntos de dados interligados. O desafio persistente da “má qualidade dos dados e partilha de dados” e da “tecnologia legada desatualizada” é um estrangulamento fundamental para a implementação eficaz da IA em todo o setor público do Reino Unido. Iniciativas como a National Data Strategy e a proposta National Data Library são trabalhos fundamentais críticos, mas o seu sucesso determinará o alcance e o impacto final das ferramentas de IA. O relatório do Public Accounts Committee afirma explicitamente que estas questões colocam a adoção da IA “em risco”. Os modelos de IA, sejam comerciais como o Copilot ou personalizados como o Humphrey, dependem fortemente de dados de alta qualidade e acessíveis para treino e operação eficaz. Sem abordar estas questões subjacentes de infraestrutura de dados, o potencial total da IA (incluindo a meta de economia de £45 mil milhões ) não pode ser realizado. Isto torna a governança e modernização de dados um pré-requisito para uma estratégia nacional de IA bem-sucedida.  

A liderança e coordenação são asseguradas pelo Central Digital and Data Office (CDDO), agora integrado no novo Government Digital Service (GDS), que lidera a função Digital e de Dados do governo. O GDS publica o AI Playbook, a série AI Insights e gere a comunidade de IA. Um Roteiro Digital e de IA está previsto para o verão de 2025. Esta abordagem estratégica multifacetada, que combina a exploração de ferramentas comerciais com o desenvolvimento interno, demonstra uma compreensão matura dos diversos caminhos para a integração da IA.  

Conclusão – O Futuro é Assistido por IA: Traçando o Rumo para os Serviços Públicos do Reino Unido

O experimento com o Microsoft Copilot no setor público do Reino Unido, que resultou numa economia média de 26 minutos diários por funcionário e numa elevada satisfação do utilizador , é mais do que um estudo de caso bem-sucedido; é um prenúncio da transformação iminente nos serviços públicos. Como afirmou o Secretário de Tecnologia Peter Kyle, a IA está “a mudar a forma como o governo opera” e “não é apenas uma promessa futura – é uma realidade presente”. Darren Hardman, CEO da Microsoft UK, ecoa este sentimento, sublinhando que “a parte realmente emocionante é que isto é apenas o começo”.  

O sucesso em larga escala do ensaio com o Copilot provavelmente criou um impulso irreversível para a adoção da IA no setor público do Reino Unido. A elevada satisfação dos utilizadores e a relutância em reverter para antigas formas de trabalhar (82% não gostariam de voltar atrás ) criarão uma pressão interna para o acesso contínuo e expandido a ferramentas de IA. A escala do ensaio (20.000 utilizadores ) significa que uma porção significativa do funcionalismo público já experienciou em primeira mão os benefícios da IA. Isto cria um ciclo de feedback positivo: os benefícios experienciados levam à procura por mais, o que impulsiona uma maior adoção e inovação. Será mais difícil para os departamentos mais hesitantes resistirem se outros estiverem visivelmente mais eficientes e os seus funcionários mais satisfeitos.  

Esta jornada, no entanto, está longe de estar completa. Exige adaptação contínua, investimento sustentado em competências, uma governança robusta e uma abordagem centrada no cidadão. As limitações observadas, como dificuldades com nuances e dados complexos, e a necessidade constante de supervisão humana, lembram que a IA é uma ferramenta para aumentar, e não substituir, a inteligência humana. A criação da AI Adoption Unit, a publicação do AI Playbook e o compromisso contínuo com a requalificação da força de trabalho são sinais de uma abordagem estratégica e de longo prazo.  

A abordagem do Reino Unido – combinando ensaios em larga escala de IA comercial, desenvolvimento de IA governamental personalizada, forte ênfase em competências e quadros de governança em evolução – posiciona-o como um potencial líder global na implementação de IA no setor público. A abrangência da estratégia é evidente nas várias iniciativas: o ensaio Copilot , a suite Humphrey , o AI Playbook , a National AI Strategy e a AI Adoption Unit. A vontade de reportar publicamente os resultados dos ensaios, incluindo as limitações , demonstra um compromisso com a transparência e a aprendizagem. No entanto, a rápida evolução da IA significa que as estratégias e a governança devem ser continuamente atualizadas. Desafios como o financiamento da remediação de sistemas legados e a garantia do uso ético da IA em escala exigirão vontade política e recursos contínuos.  

Em última análise, a transformação não se resume apenas à implementação tecnológica, mas ao fomento de uma nova cultura de trabalho no setor público – uma cultura que abraça a IA como um parceiro colaborativo para potenciar as capacidades humanas e, fundamentalmente, prestar melhores serviços aos cidadãos. O “fator humano” – competências, ética, confiança – será tão crucial quanto a própria tecnologia para moldar um futuro onde os serviços públicos são mais eficientes, acessíveis e adaptados às necessidades de todos.